segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Três vinhos famosos e seu passado histórico

Por Euclides Penedo Borges


As Cruzadas e o Hermitage

Estamos no fim do Século XII. No sul da França, a expansão da seita albigense incomoda a Igreja. Sob influência do conde Giuseppe di Segni, o papa Celestino III envia uma delegação para Toulouse.
 
Capela de Hermitage
Com a morte de Celestino, Giuseppe é eleito papa com o nome de Inocêncio III. Entre Albi e Carcassone a situação se complica e o legado papal é assassinado. É o estopim para que Inocêncio desfeche, em 1209, violenta cruzada contra os albigenses. Entre os cruzados está o jovem cavaleiro Gaspar de Sterimberg, de inclinação religiosa.
 
Após a vitória católica e a dispersão dos albigenses, em 1226, Gaspar transfere- se para o vale do Rhône e torna-se eremita, fixando sua ermida - "hermitage", em francês - na encosta ensolarada de uma curva do rio.
 
Ali ele ergue uma capela de pedra e se dedica à oração, ao cultivo da vinha e à elaboração de vinhos. Em pouco tempo o oratório se torna lugar de peregrinação e o vinho de Gaspar ganha fama com o nome de Hermitage. Lá em baixo, na curva do Rhône, desenvolvese a aldeia de Tain. Tudo isso pode ser testemunhado nos dias de hoje.
 
A aldeia medieval é uma cidade ocupando as duas margens do Rhône com o nome de Tain l'Hermitage. A capela de pedra acha-se no mesmo lugar, restaurada pela família Jaboulet, distribuidora de vinhos da região.
 
Entre tais vinhos encontram-se o "Hermitage La Chapelle", lembrando a capela de Gaspar, e o "Hermitage Chevalier de Sterimberg", em homenagem ao cavaleiro-eremita.
 
Priorato, pequena região lendária
 
Das sete regiões vinícolas da Catalunha, na Espanha mediterrânea, três são vizinhas e litorâneas, a saber: Penedès, Tarragona e Priorato.
 
O Priorato, uma das menores áreas vinícolas da Espanha, caracteriza-se por seus tintos alcoólicos da variedade Garnacha.
 
Por trás do nome Priorato escondemse a história e a lenda.
 
O cônego São Bruno, professor de teologia em Reims, criou, no século XI, com seus discípulos, a ordem religiosa da Cartuxa (Chartreuse, em francês). (Um lembrete: o Convento da Cartuxa (imagem ao lado), no Alentejo, dá nome ao tinto Cartuxa, vinho português conhecido. E o Chartreuse é um licor à base de ervas desenvolvido originalmente no mosteiro cartuxo da França).
 
Com a ordem já consolidada, alguns religiosos dirigiram-se à Catalunha para procurar um local adequado para a construção de um novo convento. Foram informados por um pastor da existência de uma colina por onde os anjos subiam aos céus por uma escada.
 
Interpretando a notícia como uma mensagem divina, edificaram ali o convento Scala Dei - a escada de Deus - em torno do qual se instalaram vinhedos e se fundou uma cidade com o mesmo nome.
 
Com as doações feitas pelos reis de Aragão, e com a venda de vinhos cada vez mais afamados, os priores desse convento ficaram tão ricos e poderosos que a região passou a se chamar Priorato.
 
No século XIX, o convento foi saqueado e incendiado. A fama dos vinhos da região, entretanto, já estava consolidada. Hibernaram durante certo tempo, mas voltaram com força na segunda metade do século XX e são facilmente encontrados entre nós.
 
Próximo da atual cidade de Scala Dei, na Catalunha, encontra-se a vinícola Adegas da Cartuxa - em catalão, Cellers de la Cartoixa - com seus vinhos do Priorato que lembram um passado longínquo, histórico e lendário.
 
A família Ricasoli e o Castelo de Brolio
 
Sobre uma colina em meio aos vinhedos do Chianti, na Toscana, erguese o imponente Castelo de Brolio, exemplo raro de arquitetura militar do Renascimento.
 
Destruído e reconstruído várias vezes, ele é a sede vinícola da família Ricasoli, cujos antepassados o ergueram, pela primeira vez, há mais de oitocentos anos.
 
A palavra Brolio vem do latim brogilum, campo de cultivo. Na Idade Média, e mesmo depois, nunca se estava em paz nesses campos. Os exércitos passantes pisoteavam os vinhedos, os alarmes soavam, os camponeses se refugiavam dentro dos muros. Portões eram arrombados, os vencidos eram massacrados, os invasores desciam às adegas e se assenhoreavam das pipas de vinho. Terminado o saque, incêndio e demolição.
 
Cedo ou tarde, contudo, reconstruíase o castelo, os vinhedos voltavam a florir e a frutificar, as pipas de vinho voltavam às adegas.
 
Por volta de 1850 sobreviria, finalmente, a paz duradoura, e assim o Barão Bettino Ricasoli usufruiu da tranqüilidade para estabelecer a fórmula tradicional do Chianti Clássico, com duas uvas tintas e duas brancas.
 
As crises do século XX acabaram por transferir a propriedade do castelo para uma multinacional.
 
Em 1993, entretanto, os Ricasoli conseguiram recuperá-lo e o nobre sobrenome voltou à fama com o "Chianti Clássico Castelo di Brolio", cujo rótulo inclui a imagem do castelo. E cuja elaboração, ainda que renovada, segue a esteira da tradição familiar.
 
Fonte: Revista Adega

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